PARTE 4 – INTERVENÇÃO

Racional

O racional que se propõe para o desenvolvimento desta intervenção tem em consideração a crescente necessidade de um grupo alargado de profissionais, com diferentes background académicos, em trabalhar com população em situação de vulnerabilidade profissional, e baseia-se nas tendências teóricas comuns e específicas que valorizam:

  1. O sistema pessoal: apoiar a pessoa a desenvolver uma imagem estável e clara de si, num mundo povoado de mensagens contraditórias;
  2. O sistema contextual: apoiar a pessoa na exploração, compreensão e utilização de informação sobre o mundo formativo, educativo e profissional, que estão em constante mudança;
  3. O sistema temporal: apoiar a pessoa a lidar com a interação entre o sistema pessoal e o sistema contextual ao longo do tempo; rever o passado, compreender o presente e delinear a escrita do futuro;
  4. A complexidade, o acaso, a imprevisibilidade, e a instabilidade, dos contextos de vida: consciencialização da mutação permanente do mundo do trabalho e da incerteza que lhe está associada; habituar-se a enfrentar a ambiguidade e a dificuldade de prever o futuro;
  5. A agência pessoal na atribuição de significados e no processo de mudança, nomeadamente através da aquisição e treino de competências de carreira: ter uma flexibilidade de espirito para, com facilidade, abandonar uma perspetiva sem saída a favor de uma outra.

Assim, propõe-se um esquema tridimensional que inclui as dimensões pessoal, contextual e temporal e um processo de mudança baseado no treino competências de transição (Figura 4):

Figura 4. Sistemas pessoal, contextual, e temporal na intervenção de apoio à construção de projetos de vida em pessoas em situação de vulnerabilidade social (Fonte: Live2Work)

O sistema pessoal, contextual e temporal são descritos como (tabela 1):

Sistema Pessoal: Papel central no processo de elaboração e de realização das intenções de futuro:

  • Centrada no autoconhecimento do indivíduo, isto é, na representação mental que a pessoa tem do conjunto dos elementos que a definem;
  • Perceção subjetiva das suas principais características: idade, género, etnia; personalidade, valores, interesses, papéis de vida e competências de transição;

Sistema Contextual: fundamental para ajudar a tomar decisões conscientes, estratégicas e bem informadas:

  • Corresponde às experiências do indivíduo na sua relação com o mundo exterior, nomeadamente família, educação, trabalho, e grupos comunitários (e.g., religiosos, políticos, culturais);
  • Informação sobre oportunidades de educação, treino e exercício profissional (estar apto a procurar e usar, de forma atempada e adequada, informação de carreira altamente relevante);

Sistema Temporal: permite compreender que cada indivíduo resulta das experiências que vivencia ao longo da sua vida, e dos significados que atribui a esses eventos:

  • Foca-se na história de vida e estabelece relações entre passado, presente e futuro (reanálise e reavaliação do percurso de vida efetuado até ao momento, e (re)construção da sua narrativa);
  • A partir da avaliação de dificuldades e oportunidades visa identificar as competências necessárias para a reformulação de projetos de vidas com sucesso;

Tablela 1. Sistema e temas da intervenção na construção de projetos de vida

SISTEMAS TEMAS
Pessoal Idade, género, etnia

Características de personalidade

Valores

Interesses

Papéis de vida

Competências de transição

Contextual Família

Educação

Trabalho

Grupos comunitários (e.g., religiosos, culturais e políticos)

Temporal História de vida

(dificuldades e oportunidades)

O processo de mudança baseia-se no desenvolvimento de quatro dimensões (tabela 2):

  • Autoconhecimento: corresponde ao sistema pessoal do indivíduo. Esta dimensão consiste no desenvolvimento de um conjunto de atividades que visam apoiar os participantes na recolha, análise, interpretação e uso de informações pessoais. O foco é colocado na exploração de características de personalidade, valores, interesses, competências pessoais e pontos fortes. Esta dimensão ajudará o participante a obter uma compreensão/ reconhecimento mais forte da sua identidade. Inclui o esclarecimento do autoconceito (personalidade, valores, interesses, pontos fortes, papéis da vida); e, o desenvolvimento de autoestima (projetos de vida – mudanças a realizar);
  • Conhecimento do mundo: corresponde ao sistema contextual. Esta dimensão consiste no desenvolvimento de um conjunto de atividades que permitem recolher, analisar, interpretar e utilizar informações relacionadas ao mundo da educação/ formação e emprego dos participantes e seus principais objetivos na vida. A exploração da informação recolhida deve ter em consideração as informações previamente recolhidas sobre si mesmo. Explorar o mundo (profissional, formação e educação) é um passo fundamental para garantir que os participantes tomam decisões de maneira consciente e informada, com base em fontes relevantes e fidedignas. Essa informação também deve estar relacionada ao conhecimento dos participantes sobre si mesmos (aspirações pessoais, interesses, valores e expectativas). Inclui a curiosidade em exploraro ambiente (educacional, formativo, oportunidades profissionais); e, a identificação e promoção de redes de apoio (família, apoio social);
  • Competências de transição: “Competência é a capacidade de realizar tarefas ou lidar com várias situações de forma eficaz, num contexto particular e é, portanto, necessário mobilizar atitudes, habilidades e conhecimentos, ao mesmo tempo e inter-relacionados ”(Zabala & Arnau, 2007). As competências de transição correspondem às mudanças que as pessoas querem fazer para transformar o seu presente no futuro desejado. Elas incluem o desenvolvimento de motivação, persistência e resiliência; adaptabilidade; comunicação e tolerância da diferença; e competências de gestão do tempo.
  • Tomada de decisão: envolve o sistema temporal, mais especificamente o projeto e a construção do futuro desejado. As pessoas podem-se motivar definindo objetivos para ações futuras e cenários desejáveis. É importante, no entanto, que esses objetivos sejam claros e alcançáveis, para que sejam satisfatórios e fortaleçam a confiança das pessoas na sua capacidade de agir. Além disso, os sistemas de definição de objetivos eficazes são organizados hierarquicamente, onde as etapas mais próximas definem a motivação e as ações necessárias para atingir os objetivos gerais. A ação empreendedora do indivíduo torna-se-à possível através da definição de pequenos passos através dos quais são definidas novas etapas a alcançar. Esta etapa inclui o desenvolvimento de objetivos de vida / carreira e a implementação e desenvolvimento de planos de ação (identificação de atividades, comportamentos, tarefas; identificação de obstáculos e possíveis recursos para superá-los).

Tabela 2.  Dimensões para trabalhar na intervenção na construção de projetos de vida

Dimensão
Pre Atividades
Objetivos a atingir
Atividades para aplicar no início do programa, na sua totalidade ou como atividades isoladas. Aplicar como primeiro passo para estabelecer e nivelar expectativas para com os objetivos do programa e criar compromisso para com o grupo.

Permitir aos participantes, sempre que necessário, rever o que definiram e aferir se estão no caminho pretendido para atingir os seus objetivos, no âmbito do programa.

Atividades e Ferramentas
Atividade 1A: Contrato Individual
Atividade 1B: Contrato de Grupo
Dimensão
Autoconhecimento
Objetivos a atingir
Ajudar a clarificar e a identificar valores que ajudarão o participante a conferir significado, interesse e importância à vida e a encontrar foco e objetivos no futuro.

Ajudar a identificar e a trabalhar forças para aumentar a confiança, a autoestima, a energia e o entusiasmo, diminuir o stress, atingir melhores prestações, com mais e melhor compromisso, tornar-se melhor a atingir metas, com maior eficácia, e ainda ser capaz de se desenvolver mais rapidamente com resultados mais duradouros.

Aumentar a autoeficácia e confiança dos participantes para agirem de acordo com os seus interesses.

Explorar pontos fortes e mobilizar de recursos para despertar os outros e a si próprio para as suas forças, melhorar a escuta ativa e a abertura aos outros.

Atividades e Ferramentas
Atividade 2: Os meus Valores – Jogo de cartas
Atividade 3: Os meus valores – Roda da vida
Atividade 4: As minhas forças – Jogo do Solitário
Atividade 5: As minhas Forças – Narrativas
Atividade 6: Valores em Ação (VIA) – Avaliação Online
Atividade 7: As minhas forças – Entrevista
Dimensão
Conhecimento do mundo
Objetivos a atingir
Estimular a curiosidade, criatividade e a exploração de possibilidades de percursos formativos ou carreiras futuras.

Ajudar a identificar ocupações, interesses, e objetivos ocupacionais a partir de interesses.

A identificação e promoção da rede relacional de cada um pode ajudar a suportar os projetos futuros em definição e os objetivos.

Aumentar a autoeficácia através da identificação de modelos a seguir irá motivar os participantes ao longo do processo de mudança.

Atividades e Ferramentas
Atividade 8: Explorar interesses: passos para identificar percursos futuros
Atividade 9: Árvore de Competências
Atividade 10: Explorar Ocupações
Atividade 11: Mapa da rede de relações (passo 1)
Atividade 12: Identificar modelos (passo 2)
Dimensão
Competências de transição
Objetivos a atingir
Despertar para as suas emoções positivas, e possibilitar o desenvolvimento de resiliência, otimismo, esperança e eficácia

Desafiar e monitorizar o comportamento de cada um, para assim ajustar as ações no sentido do cumprimento de objetivos, aumentar a autoeficácia, resiliência e esperança, motivação, e alterações de comportamento.

Melhorar o entendimento e a comunicação, o grau de tolerância à diferença em situações ou com pessoas.

Atividades e Ferramentas
Atividade 13: Aprender Emoções Positivas
Atividade 14: Diamante
Atividade 15: Desafiar pensamentos e crenças, construir otimismo
Atividade 16: Perceções
Atividade 17: Gerir o tempo
Dimensão
Tomada de decisão
Objetivos a atingir
Gerir e otimizar o tempo e as tarefas do dia ou da semana, despertar para a importância dos objetivos presentes e futuros e ancorá-los com a ajuda de diferentes abordagens de definição de objetivos.

Perceber quais os próximos passos a dar e manter-se focado no plano de ação estabelecido.

Todas as atividades deste ‘processo de decisão’ podem ser usadas depois das outras atividades como forma de ancorar ideias, aprendizagens e ambições, decorrentes de cada uma das dimensões exploradas.

Atividades e Ferramentas
Atividade 18: Definir metas (objetivos SMARTE)
Atividade 19: Definir de metas – Plano de Ação
Atividade 20: Ancorar aprendizagens, decisões e objetivos – síntese
Dimensão
Atividades de finalização
Objetivos a atingir
Partilhar e apresentar as suas aprendizagens chave e assim concluir e fechar a exploração de cada dimensão.

Estas atividades de finalização devem ser usadas após a exploração de cada uma das dimensões, beneficiando os participantes ao ancorar as suas aprendizagens e objetivos estabelecidos.

Atividades e Ferramentas
Atividade 21A: Autoconhecimento – Síntese
Atividade 21B: Conhecimento do Mundo – Síntese
Atividade 21C: O meu projeto – Visão global

Identificação do grupo alvo

O grupo alvo deste projeto são os jovens adultos (entre os 18 e os 30 anos), em situação de vulnerabilidade professional (desempregados, por existir um gap entre as competências possuídas e as requeridas pelo mercado de trabaho), incluindo imigrantes e refugiados (Figura 5). Importa salientar que existe uma grande variedade de variáveis neste grupo alvo (e.g., sexo, idade, raça, etnia, nível socioeconómico, orientação sexual, deficiência), mas também no contexto em que eles se encontram (e.g., racismo, discriminação, aculturação, estatuto de imigração), que constituem o seu background e que influenciam as suas características de personalidade, os seus interesses, valores e atitudes, as suas expectativas, os seus objetivos, a perceção de oportunidades e barreiras no contexto, e a própria procura e vivência do aconselhamento.

A título de exemplo, num estudo de avaliação de necessidades de formação no âmbito da construção de projetos de vida, desenvolvido junto de técnicos da SCML que desenvolvem a sua atividade profissional com pessoas em situação de vulnerabilidade, constatou-se que estes identificam como principais características/problemas no seu público-alvo, os seguintes:

  • Problemas pessoais (e.g., baixa autoestima, imaturidade, ausência de autonomia);
  • Problemas académicos (e.g., reduzidas habilitações académicas, e insucesso, absentismo e abandono escolar);
  • Problemas profissionais (e.g., ausência de experiência profissional, empregos precários e pouco qualificados), e
  • Problemas sociais (e.g., violência doméstica, toxicodependência, pobreza, exclusão).

Esta heterogeneidade nas variáveis pessoais e contextuais não pode/deve ser ignorada, quando o objetivo é fornecer algum tipo de apoio com elevados padrões de qualidade e eficácia. A aplicação a outros grupos implica adaptações às características próprias dos destinatários.

Figura 5. Grupos alvo

Identificação dos utilizadores

Este programa destina-se a ser utilizado por utilizadores qualificados (e.g., formadores, conselheiros, assistentes sociais, educadores/professores), preferencialmente com formação nas áreas das ciências humanas, sociais e educacionais, no âmbito das suas intervenções ao nível da construção dos projetos de vida, desde que devidamente preparados para o efeito. Salienta-se a este respeito a importância das competências que estes profissionais devem possuir para desempenhar estas funções, e que se encontram devidamente explicitadas no ponto 2.3 deste manual. Além destes, importa destacar a importância do trabalho em rede com outros atores, nomeadamente através da cooperação com diversos agentes e membros da comunidade, tais como, as universidades, os centros de empregos, as instituições públicas de apoio à imigração, as organizações não governamentais que trabalham com este tipo de público, de forma direta ou indireta.

Figura 6. Utilizadores

A reter

Racional:

  • Sistema pessoal à Dimensão do auto-conhecimento
  • Sistema contextualà Dimensão conhecimento do mundo
  • Sistema temporal à Dimensão tomada de decisão
  • Complexidade, acaso, imprevisibilidade e instabilidade dos contextos de vida à Dimensão competências de transição
  • Agência pessoal na atribuição de significados e no processo de mudança, nomeadamente através da aquisição e desenvolvimento de competências vida / carreira  à transversal a todas as dimensões do projeto

Grupos alvo:

  • Jovens adultos (entre os 18 e os 30 anos)
  • Situação de vulnerabilidade profissional (desempregados, por existir um gap entre as competências possuídas e as requeridas pelo mercado de trabalho)
  • Migrantes e refugiados

Utilizadores:

  • Orientadores/ conselheiros
  • Formadores
  • Técnicos